Frankenstein: Um Monstro no Armário

A primeira obra de ficção científica da história foi escrita por uma mulher no começo do século XIX. E isso não é apenas um detalhe. Frankenstein é uma obra explicitamente política.

O quanto dessa política é relevante
em 2024?

Escrito por Mary Shelley e publicado pela primeira vez em 1818, Frankenstein traz reflexões e críticas pertinentes sobre o lugar das mulheres na sociedade inglesa do século XIX. Ao narrar a história de uma forma de vida que surge no mundo sem uma mulher, Mary Shelley causa uma perturbação nas divisões tradicionais de gênero. Aliado a isso, o livro coloca a ciência e o próprio conceito de civilização como empreendimentos masculinos que subjugam mulheres. Ou pelo menos é assim que a crítica Anne Mellor fala sobre Frankenstein.

Pra ela, no universo da história, ciência é “coisa de homem”, enquanto afeto e a vida privada são parte da vida relegada a mulheres. E isso é um grande problema.

Dentro de casa, as mulheres são mantidas como uma espécie de animal de estimação; ou trabalham como donas de casa, cuidadoras de crianças e enfermeiras ou criadas.
Como consequência desta divisão sexual
do trabalho, o labor masculino é mantido fora da esfera doméstica, consequentemente a atividade intelectual é segregada da atividade emocional. Como Frankenstein não consegue trabalhar e amar ao mesmo tempo, ele não consegue sentir empatia pela criatura que está construindo. (...) Esta separação da esfera do poder público (masculino) da esfera do afeto privado (feminino) também causa a destruição de muitas das mulheres do romance.
— Anne Mellor

Então quer dizer que Frankenstein
é LACRAÇÃO?

Sim, e tem mais. Acrescente a tudo isso uma maneira, digamos, mais açucarada, de ler Frankenstein.

Ao mesmo tempo que o cientista se delicia com o ato de criar vida, ele demonstra um ardor por esse corpo masculino que vai além do puro deleite científico. Há algo de simbólico e sensual na relação entre criador e criatura, que evidencia como esses dois seres estão permanentemente conectados, por meios objetivos e subjetivos.

Eu desejava isso com um ardor que em muito excedia a moderação; mas agora que estava terminado, a beleza do sonho sumira, e um horror e um nojo estonteante invadiram meu coração.
— Trecho de Frankenstein, Cap. V

Hmmm que delícia? E tem mais.

Em 1982, o crítico marxista Franco Moretti comparou a relação entre Victor e a criatura com as tensões entre burguesia e proletariado.

Assim como o proletariado, o monstro não tem direito a um nome e uma individualidade. [...] Como o proletariado, ele é uma criatura coletiva e artificial. Ele não é encontrado na natureza, mas construído.
— Franco Moretti

Nessa leitura, o horror e a repulsa de Victor Frankenstein perante a consciência de sua criação seriam análogos ao medo do burguês diante de um proletariado consciente.

Somente a ciência moderna pode lhes oferecer um futuro. Ela os costura novamente, molda-os de acordo com sua vontade e finalmente lhes dá vida. Mas no momento em que o monstro abre seus olhos, seu criador recua em horror.

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