Ninguém precisa de terapia em Succession

Olá,

Uns dias atrás circulou nas “redes” um print de uma pessoa aleatória que compartilhou no Instagram um poderoso insight sobre a série Succession:

Ah sim, o clássico. Se os personagens dessa história fizessem terapia, não existiria história. Pois histórias vivem de conflito e terapia é a solução para todos os conflitos. Se todo mundo fizesse terapia, portanto, estaríamos vivendo na GRANDE UTOPIA DA SAÚDE MENTAL.

Pessoal, eu sei que todo mundo aqui faz terapia, mas a pandemia ainda não acabou

Agora vamo lá, antes de qualquer coisa: eu não tô aqui pra obrigar ninguém a gostar de nada. Cada um sabe de si. E eu nem gosto TANTO assim de Succession. Digo, é uma boa série, eu acompanho e acho brilhante em alguns momentos, mas eu gosto mais de outras coisas. 

No dia que tiver um gay DE VERDADE na história talvez eu decida gostar mais

O que eu quero falar aqui é sobre esse papo da terapia. Mas vamos por partes.

Primeiro eu quero dizer o seguinte: existem motivos legítimos pra gostar de Succession. É uma boa série. É muito bem escrita, os episódios são bem dirigidos, o elenco é um absurdo e a história faz um bom uso do formato em que ela é contada. Não é um filme de 10 horas dividido em 10 pedaços, cada temporada tem 10 (ou 9, no caso da 3ª) mini-filminhos que se completam numa história maior de 9/10 horas. 

Segundo, eu quero dizer o seguinte: existem motivos legítimos para NÃO gostar de Succession também. Talvez você não tenha muita vontade de acompanhar a rotina de uma família de brancos bilionários, vai ver o tom da série não te agrada ou você, como eu, sinta falta de GAYS. Talvez, no geral, a série não seja pra você. E você está no seu direito.

Succession conta a história de uma família de bilionários que controla um dos maiores conglomerados de mídia da atualidade, a Waystar Roycon. O patriarca e crápula Logan Roy já está em idade avançada e precisa apontar um de seus quatro filhos como sucessor em seu império midiático. À medida que a trama se desenrola, acompanhamos os membros da família Roy infligirem golpes, traições e babados sucessivos uns aos outros. Ninguém presta e tudo é uma grande disputa de poder. Tudo mesmo. Incluindo o afeto familiar.

Estais avisados

Tem muita manipulação emocional em Succession. Logan repetidamente usa de seu papel de pai como barganha nessa grande disputa pelo controle da empresa. E à medida que vamos entendendo melhor esses personagens, fica claro que essa dinâmica de afeto como barganha é e sempre foi a linguagem da família Roy. Succession é uma série sobre uma família emocionalmente disfuncional.

🎶 Essa família é muito horrível (ler no ritmo da música da Grande Família)

Talvez seja por isso que o papo da terapia apareça com tanta frequência quando se fala em Succession. Família disfuncional é aquele tipo de desgraça que acomete 12 entre 10 seres humanos e, de acordo com o twitter, a única maneira de lidar com isso é fazendo terapia, essa solução mágica que resolve tudo. 

A questão do parente perturbado é, também, um dos principais pontos de conexão da audiência com os personagens de Succession. Talvez você também tenha um pai emocionalmente abusivo, vai ver você também tem um irmão que usa substâncias ilícitas como válvula de escape, talvez você e seus irmãos também tenham uma relação conturbada. Dá pra se conectar com esses personagens de inúmeras maneiras, mas ao mesmo tempo essa conexão vai até um certo ponto.

A questão aqui é que a família Roy é muito, muito, muuuito rica. A dimensão dos problemas deles é completamente absurda, tá fora do nível da compreensão de pessoas “comuns” como nós. Os Roys são o tipo de gente que entram em qualquer prédio como se fossem donos do lugar porque a qualquer momento, por qualquer capricho, eles podem sim, decidir comprar esse lugar. E esse tipo de poder tá inserido na afetividade (ou a ausência dela) entre os irmãos e os pais. 

Mas, pai, o corte lacaniano

Kendall, Shiv, Roman e Connor cresceram entendendo que afeto e demonstrações de carinho não são nada além de barganhas. Eles tão presos nesse ciclo de disputa constante por poder. Não existe terapia pra essas pessoas porque o escopo dos problemas deles é maior do que eles mesmos, do que o planeta, do que qualquer coisa. Não é que eles são uma família disfuncional que precisa de tratamento, é que a estrutura que permite que essas poucas pessoas tenham tanto poder é que é absurdamente disfuncional. Nada de saudável pode sair dali, nenhum terapeuta consegue resolver um problema desse tamanho.

A solução de verdade já sabemos qual é. Conforme as coisas forem acontecendo eu vou avisando.

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